domingo, 26 de março de 2017

obesos

O obeso não tem culpa, tem desejos

Mudanças comportamentais, tais como exercícios frequentes e reorientação alimentar, tem se mostrado bastante positivas em vários cenários, em especial na melhora de condições cardiovasculares, gastrointestinais, osteoarticulares e psíquicas, mas pouco ou nada sustentáveis a médio e longo prazo na diminuição ponderal. Mas continuamos vendendo este perfil comportamental para solucionar o problema de dois terços de americanos, brasileiros e tantas outras populações que se apresentam com sobrepeso e obesidade.
Tal culpabilização da vítima gera um processo global e gigante de sugestões de realinhamento alimentar, que encontra soluções na retirada industrial de gorduras de alimentos, substituição do açúcar por adoçantes sintéticos, adição de fibras e toda sorte de compostos de baixas calorias que renda melhor palatabilidade aos produtos modificados, produtos sem glúten, sem lactose e assim… Continuamos gordos – ainda que no momento pareça que alcançamos uma deprimente estabilização nos números americanos, restando um terço de magros.
Sem inocentar os obesos, a verdade é que já existem muitas linhas acadêmicas aceitando haver um grave erro conceitual na interpretação dessa doença, o qual provavelmente exigirá muitas décadas para minimizar suas consequências: Nós não engordamos porque comemos demais, o fato é que comemos demais porque estamos engordando. Apenas obedecemos ordens cerebrais impondo a ingestão de alimentos além do que necessitamos.
Essa incipiente “mea culpa” do mundo da ciência tem gerado uma busca frenética na identificação de elementos químicos com potencial de corromper a falível relação fome-saciedade-metabolismo. Essas substâncias são denominadas disruptores endócrinos, estruturas químicas capazes de imitar, bloquear ou atrapalhar os hormônios que regulam funções biológicas fundamentais em seres humanos e outros animais, incluindo o desenvolvimento cerebral, a reprodução, o metabolismo e o crescimento. Se avaliarmos estes compostos pela capacidade de indução à obesidade podemos denominá-los apenas obesogênicos.
A primeira exposição a estes compostos pode ocorrer em nossos tempos intrauterinos. Ao nascer já teríamos termostatos da fome e saciedade modificados, um número maior de células gordurosas e uma maior competência de armazenamento energético na forma de gordura. Mudança metabólica para toda a vida.
É certo que essa exposição é contínua e aparentemente ofertada por todos os alimentos processados, agrotóxicos, hormônios, antibióticos, elementos inaláveis provenientes de escapamentos de carros ou chaminés de indústrias, plásticos e outros. Apesar de não alterarem nossa sequência no DNA, é possível que modifiquem a expressão de alguns de nossos genes e que transfiramos tais mudanças para nossa descendência. Por outro lado, talvez algumas dessas substâncias nos transtornem apenas enquanto tivermos contato com as mesmas.
O bisfenol A, encontrado em plásticos, revestimentos de alimentos enlatados, pesticidas e outros produtos é transferido para nossos organismos mais comumente através do consumo de alimentos acondicionados em recipientes plásticos que contenham este elemento. O simples congelamento ou aquecimento do conjunto libera a substância para o alimento. Não à toa, perto de 90% daqueles que vivem nos ambientes urbanos apresentam níveis mensuráveis de bisfenol A em seus organismos. Um estudo recente utilizando camundongos sugere fortemente que essa substância impede perenemente a ação da leptina, hormônio da saciedade, junto ao seu local de ação no hipotálamo.
Espessantes utilizados para melhorar a palatabilidade de sorvetes, iogurtes, achocolatados e outros produtos, se mostraram capazes de interferir negativamente na produção intestinal de GLP-1, substância envolvida, entre outras ações, na modulação de centros da fome e saciedade. Talvez esse comprometimento seja reversível.
É quase certo que tudo que conseguirmos deduzir nessa procura trará a necessidade de atitudes, que, se tomadas, produzirão resultados após algumas gerações. No momento, restam bilhões de pacientes obesos e com sobrepeso, para os quais temos a obrigação de evitar a administração da fácil equação que subtrai supostos gastos energéticos do presumido total calórico ingerido, sem considerar as irrecusáveis ordens cerebrais.



sexta-feira, 10 de março de 2017

dieta Mediterranea

Dieta ou estilo de vida mediterrâneo?
Esse tipo de alimentação vai muito além da comida e se refere a todo um estilo de vida tradicional característico dos moradores das regiões do Mediterrâneo
A busca por um estilo de vida mais saudável popularizou a dieta mediterrânea levando-a a uma evidência midiática e científica nos últimos anos. Apesar do nome, charmoso e atraente, do ponto de vista turístico, a dieta não se refere somente a um padrão alimentar, e sim a todo um estilo de vida tradicional característico dos moradores das regiões do Mediterrâneo, como a Grécia, o sul da Itália e a França, por exemplo.
Reconhecida como patrimônio da humanidade, essa dieta promove o uso de ingredientes da agricultura local, a transmissão de tradições e receitas locais e a partilha de refeições e de todo o ritual de preparo dos alimentos. Um dos pontos também fundamentais para a redução da doença cardiovascular nessas regiões é a atividade física, mais intensa e inserida no cotidiano das pequenas cidades.
A composição da dieta mediterrânea é feita principalmente por alimentos de origem vegetal, como frutas, legumes e hortaliças, oleaginosas, grãos e cereais (preferencialmente integrais) como arroz e trigo e também massas, como o pão. Os ovos e laticínios estão presentes em abundância, na composição das receitas ou no consumo relacionado aos cardápios diários; carnes brancas, como peixes e aves têm seu consumo moderado e as carnes vermelhas só participam em pequenas quantidades. A maior parte dos alimentos que compõem essa dieta são pouco processados e os açúcares aparecem em pouca quantidade. O azeite é a principal fonte de gordura dessa alimentação e o vinho está presente durante as refeições, com moderação.
Esse estilo de vida promove hábitos saudáveis, pois incentiva a valorização da alimentação como um todo. Compartilhar refeições e o processo de preparo é uma forma de criar momentos e fortalecer relações com as pessoas que convivem com você. A alimentação mediterrânea, por sua vez, é rica em vitaminas, antioxidantes, fonte de fibras e de gorduras restritas na origem de ácidos graxos saturados. O consumo de óleos vegetais leva a um aumento da ingesta da gordura mono e poli-insaturadas. As dietas reduzidas em gorduras saturadas estão relacionadas a benefícios para a saúde, como a proteção do sistema cardiovascular e menor risco de doenças do coração.
A dieta mediterrânea e os princípios que norteiam o estilo de vida mediterrâneo podem facilmente servir de inspiração para uma mudança na forma de se relacionar com a alimentação e a atividade física.


segunda-feira, 6 de março de 2017

MÚSICA Medicina


O papel da música nas salas de cirurgias

Diversos estudos mostram que a música, independente do estilo, favorece um me

Na sala de cirurgia, ao contrário do que muitos pensam, as coisas não acontecem em clima de silêncio sepulcral. Na verdade, é comum os ruídos estarem muito decibéis acima do aceitável. Os motivos são vários, a começar pelo ar condicionado, indispensável nos centros cirúrgicos mais modernos. Por outro lado, as salas atuais tendem a ter equipamentos que fazem algum grau de barulho: o aparelho de anestesia, a manta térmica, o laparoscópio, o aspirador e outros mais.
O assunto não para por aí: abrir as caixas de cirurgia e desempacotar o material esterilizado faz barulho; as pessoas se comunicando entre si piora a situação; anestesistas ou circulantes batendo papo também é um problema. A equipe cirúrgica comumente conversa entre si, discutindo as condutas em relação ao caso que está sendo operado ou, não raro, falando de coisas não correlatas, tais como futebol, algo que aconteceu na cidade ou no país, dentre outros assuntos com menos ibope.
Aí o leitor pode se perguntar se, quando isso acontece ,não estarão cirurgiões se distraindo e, por isso, cometendo erros? Para alguns, conversar é a maneira de, ao mesmo tempo em que se concentram, criar um mecanismo que diminua o nível de tensão que faz parte de qualquer cirurgia, mas concordo que há aqueles que exageram. E a música? Para muitos cirurgiões é um pano de fundo, que pode causar um certo relaxamento e, por que não, lembrá-los que eles também são mortais, apesar de estarem com a vida de outras pessoas em suas mãos? Existem estudos sérios mostrando que a música favorece um melhor ambiente nas salas de cirurgia, independentemente do estilo musical.
No meu caso, tenho um tremendo dissabor com barulho na sala de cirurgia. Começo pelo paciente: nem todos nela adentram completamente sedados; quando isso não acontece, sei que para eles essa sala representa um ambiente inóspito, numa situação não rara de insegurança emocional. Assim, acredito que o ambiente de agitação que a somatória dos ruídos e das conversas pode gerar é totalmente inapropriado. Portanto, solicito que não se converse antes do paciente dormir e que as aberturas de caixas e de materiais sejam realizadas da forma a mais silenciosa possível. Na verdade, quero que os muitos dos procedimentos que geram ruídos aconteçam antes do paciente chegar à sala cirúrgica ou, então, depois que tiver sido anestesiado.
Em relação a mim: gosto do silêncio durante as operações, pois acho que assim me concentro melhor; tolero, e apenas tolero, aqueles ruídos inevitáveis dos aparelhos. Opero mudo e todos que estão na sala de cirurgia sabem que prefiro que não conversem e falem apenas o essencial.
E onde entra a música? Ainda com meus 30 e poucos anos, acostumei-me a operar ouvindo música clássica, em especial Mozart, que me trazia a sensação de alguém que resolvia os mistérios das notas e, no meu imaginário, acompanhava-me como uma fonte de inspiração. Sua música era sempre um pano de fundo. Em alguns momentos não ouvia nada, enquanto que, em outros, suas incríveis composições refrescavam meus neurônios.
Hoje sou mais eclético quanto aos compositores e nem sempre opero ouvindo música, reservando-a para cirurgias mais longas. Em geral espero o paciente dormir para ligar o som, mas gostaria de compartilhar uma experiência inusitada que vivi quando ia operar um grande maestro. Ele já estava na mesa de cirurgia, sedado, mas ainda não anestesiado, quando a técnica de enfermagem inadvertidamente ligou o aparelho de som, baixinho. No mesmo momento, o maestro, bastante sonolento, começou a reger com suas mãos e a cabeça a sinfonia de Mozart que começara a tocar. Sublime interação entre o paciente e o cirurgião pela música!