O obeso não tem culpa, tem desejos
Mudanças
comportamentais, tais como exercícios frequentes e reorientação alimentar, tem
se mostrado bastante positivas em vários cenários, em especial na melhora de
condições cardiovasculares, gastrointestinais, osteoarticulares e psíquicas,
mas pouco ou nada sustentáveis a médio e longo prazo na diminuição ponderal.
Mas continuamos vendendo este perfil comportamental para solucionar o problema
de dois terços de americanos, brasileiros e tantas outras populações que se
apresentam com sobrepeso e obesidade.
Tal
culpabilização da vítima gera um processo global e gigante de sugestões de
realinhamento alimentar, que encontra soluções na retirada industrial de
gorduras de alimentos, substituição do açúcar por adoçantes sintéticos, adição
de fibras e toda sorte de compostos de baixas calorias que renda melhor
palatabilidade aos produtos modificados, produtos sem glúten, sem lactose e
assim… Continuamos gordos – ainda que no momento pareça que alcançamos uma
deprimente estabilização nos números americanos, restando um terço de magros.
Sem
inocentar os obesos, a verdade é que já existem muitas linhas acadêmicas
aceitando haver um grave erro conceitual na interpretação dessa doença, o qual
provavelmente exigirá muitas décadas para minimizar suas consequências: Nós não
engordamos porque comemos demais, o fato é que comemos demais porque estamos
engordando. Apenas obedecemos ordens cerebrais impondo a ingestão de alimentos
além do que necessitamos.
Essa
incipiente “mea culpa” do mundo da ciência tem gerado uma busca
frenética na identificação de elementos químicos com potencial de corromper a
falível relação fome-saciedade-metabolismo. Essas substâncias são denominadas
disruptores endócrinos, estruturas químicas capazes de imitar, bloquear ou
atrapalhar os hormônios que regulam funções biológicas fundamentais em seres
humanos e outros animais, incluindo o desenvolvimento cerebral, a reprodução, o
metabolismo e o crescimento. Se avaliarmos estes compostos pela capacidade de
indução à obesidade podemos denominá-los apenas obesogênicos.
A primeira
exposição a estes compostos pode ocorrer em nossos tempos intrauterinos. Ao
nascer já teríamos termostatos da fome e saciedade modificados, um número maior
de células gordurosas e uma maior competência de armazenamento energético na
forma de gordura. Mudança metabólica para toda a vida.
É certo
que essa exposição é contínua e aparentemente ofertada por todos os alimentos
processados, agrotóxicos, hormônios, antibióticos, elementos inaláveis
provenientes de escapamentos de carros ou chaminés de indústrias, plásticos e
outros. Apesar de não alterarem nossa sequência no DNA, é possível que
modifiquem a expressão de alguns de nossos genes e que transfiramos tais
mudanças para nossa descendência. Por outro lado, talvez algumas dessas
substâncias nos transtornem apenas enquanto tivermos contato com as mesmas.
O
bisfenol A, encontrado em plásticos, revestimentos de alimentos enlatados,
pesticidas e outros produtos é transferido para nossos organismos mais
comumente através do consumo de alimentos acondicionados em recipientes
plásticos que contenham este elemento. O simples congelamento ou aquecimento do
conjunto libera a substância para o alimento. Não à toa, perto de 90% daqueles
que vivem nos ambientes urbanos apresentam níveis mensuráveis de bisfenol A em
seus organismos. Um estudo recente utilizando camundongos sugere fortemente que
essa substância impede perenemente a ação da leptina, hormônio da saciedade,
junto ao seu local de ação no hipotálamo.
Espessantes
utilizados para melhorar a palatabilidade de sorvetes, iogurtes, achocolatados
e outros produtos, se mostraram capazes de interferir negativamente na produção
intestinal de GLP-1, substância envolvida, entre outras ações, na modulação de
centros da fome e saciedade. Talvez esse comprometimento seja reversível.
É quase
certo que tudo que conseguirmos deduzir nessa procura trará a necessidade de
atitudes, que, se tomadas, produzirão resultados após algumas gerações. No
momento, restam bilhões de pacientes obesos e com sobrepeso, para os quais
temos a obrigação de evitar a administração da fácil equação que subtrai
supostos gastos energéticos do presumido total calórico ingerido, sem
considerar as irrecusáveis ordens cerebrais.